O convite de ler nas entrelinhas, percorrer palavras minuciosamente escolhidas para contar a vida, dizer de histórias resgatadas do silêncio e não do esquecimento, é sem dúvida um convite a ser saboreado nas páginas deste livro.
Jane Patrícia leva adiante a sabedoria milenar: “é preciso repartir para multiplicar”. Prestigia-nos e nos enche de esperança ao repartir suas memórias e reconhecer o movimento de transformação como a grande possibilidade do ser humano.
Já nos alertava Graciliano Ramos que, para o perigo da satisfação total, o animal saciado dorme. Aqui, as incertezas e dúvidas se traduzem em uma constante busca. A falta é sinônimo de comprovada persistência. A falta como a grande aliada em um processo criativo é capaz de perscrutar a alma. Seu instrumento: as palavras. Garimpadas com zelo, mágicas, sabias, incompreendidas, às vezes, daí a beleza da busca pela compreensão.

Assim como na filosofia o espanto é o grande motor do processo de criação, ao longo do texto, surpreendemo-nos com a produção como parte de um olhar inquieto diante das “normalidades dos dias atuais”. Sua determinada tentativa de escrever o não dito,  interrogar a angustia existencial, acende no leitor um sentimento compartilhado de fazer parte da obra. E, no silêncio da leitura, as palavras ganham voz, gritam, imploram por sentidos capazes de alterar a ordem atual do mundo. As mais significativas relações de pai, mãe e filho parecem se traduzir em um jogo pulsante de ordenar as palavras e, assim, ordenar o mundo e novamente reordenar. Às avessas, criamos e recriamos o mundo. 
O desejo de uma educação significativa se mistura ao próprio desejo de Jane. Ao dizer do abismo vivido pela educação, ela é otimista em apaziguar o pessimismo instalado nas organizações. Nas entrelinhas, vejo-a dizer ao professor: acalme o aluno com seu olhar, comungue dos seus sonhos e esperanças; só então, você poderá lhe apontar caminhos novos, saberes ocultos, revelações encantadoras. Somente depois desse olhar significativo, ele irá reconhecê-lo.
O imaginário do aluno ganha sentido na sua própria história de vida. Negar a escola, o saber, constitui muitas vezes uma resposta dirigida ao outro. O “não saber” como um saber de si mesmo, uma posição ousada diante das expectativas do mundo, um não ao desejo do outro. “ Saber de si é estar autorizado a saber do outro. A indiferença com este saber é o “início” de um não querer saber de si”. É esse olhar crítico a ser desvendado nas páginas do livro. Uma inquietação que é capaz de provocar uma reflexão holística da vida e provocar uma transformação significativa.

Nossas relações pessoais, nossos encontros e desencontros, nossa dor, nossa angústia, o tempo, a vida... e assim, atenta, cautelosa e prudente, ela adentra, de forma poética,  no silêncio e nos convida a pensar. Pensar é um movimento desafiante, profundo, ousado, capaz de (re)paginar a história do mundo. Sinônimo de possibilidade e transformação, o pensar nos resgata para vida e, sem negar o inverso, sou otimista. É fundamental esse olhar profundo sobre educação, olhar capaz de confessar o silêncio. Olhar capaz de denunciar o “vírus da normalidade” e propor saídas para além da solidão e do individualismo presente.
E como não falar da certeza, a morte. No livro, o dizer sobre a morte, não se esquiva de encontrar significantes capazes de nos trazer a mais lúcida consciência da nossa condição. A morte também se aprende na escola. Aprende-se nos passos lentos em direção ao Box 14 do CTI.

Retratar a morte em suas diversas possibilidades: ausência de atitude diante das atrocidades do mundo, a morte do bom senso nas relações políticas, nas relações afetivas, da justiça, da paciência e de tantas outras situações da “normalidade” dos dias atuais. “O não enxergar é confortável” nos adverte Jane Patrícia. Pior ainda é renegar nossa condição humana. As reflexões propostas nos devolvem a dignidade de envelhecer com sabedoria, a alegria de se enamorar dos sulcos de uma pele vitoriosa no tempo. Quando as palavras fogem diante da vontade de dizer o incomensurável, recorro aqui, ao meu muito obrigado amiga.


Teuler Reis

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