Educação cidadã
Receita para uma sociedade sã


 












 

 

 

 

 

Folha Dirigida - 1º de Maio de 2011

SUPLEMENTO ESPECIAL TRABALHO & CIDADANIA

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Violência de todas as ordens, nas casas e  nas salas de aula. Atiradores que cometem crimes sem razão e perdão. Maus tratos contra crianças, idosos mulheres... Acompanhar o noticiário não é tarefa das mais fáceis. A sociedade está doente. E o remédio para boa parte destas enfermidades pode estar nos bancos escolares, afirma Teuler Reis. A cura, no entanto, depende de diagnósticos precisos que deverão levar a uma nova receita para o ensino, em favor do presente e do futuro.

Mais apropriado, impossível. No início deste ano chegou às livrarias "Educação e Cidadania: a batalha de uma educação comprometida’, lançado pela Wak Editora. Seu autor, Teuler Reis tem um vasto currículo. Psicólogo, psicanalista e escritor, é pós-graduado em Temas Filosóficos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“A Educação se tornou para mim, em diversos setores, uma missão. Falar para professores, pais e alunos é uma maneira de falar ao mundo. Um desafio de todos: reconstruir a sociedade a partir de valores éticos.”

Princípios que, segundo Teuler, andam em falta nas escolas. E também nas famílias. “Os pais não dão exemplo. Consequentemente, os filhos não sabem como agir. Os pais precisam entender que não nascemos com virtude alguma. Se não ensinar seu filho a ser prudente, tolerante, respeitoso, fiel, honesto, ele não vai ser”, diz ele, que faz inúmeras palestras pelo país e conserva no ar o site <www.teulerreis.com.br>.

O desafio apresentado - formar cidadãos - é grande. E deve ser de responsabilidade de toda a sociedade. “Não há como seguir em frente sem a retomada do crescimento humano. Precisamos resgatar as virtudes, os valores humanos, se desejamos reconstruir a sociedade. O que é o bullying? Penso ser reflexo da falta de valores, de tolerância, de prudência, de compaixão. É o desrespeito ao outro enquanto ser humano. Costumo dizer que virtude se aprende, quando na escola se ensina. E a responsabilidade de reconstruir esses valores é de todos: família, escola e políticos.”

O QUE É, DE FATO, UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ? QUAIS PRINCÍPIOS A NORTEIAM?

Teuler Reis - Por educação cidadã devemos entender uma educação que seja comprometida com os valores que norteiam nossa sociedade. Vivemos um modelo democrático. Porém, essa realidade ainda está um tanto distante da prática. Nossas escolas ainda guardam posturas autoritárias. As regras não são construídas, e sim impostas, na maioria das vezes. Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais defendam uma educação voltada para formação da cidadania, isso ainda está longe da nossa realidade.

NÃO PARECE UTÓPICO FALAR NESTES PRINCÍPIOS NO CENÁRIO DAS ESCOLAS BRASILEIRAS, MARCADAS POR TANTOS CASOS DE BULLYING E VIOLÊNCIA DE ALUNOS CONTRA PROFESSORES?

Não, não é utópico. O que vemos nas nossas escolas e em todo contexto da sociedade brasileira é um afrouxamento do pacto social. A sociedade colocou de lado princípios formadores da realidade humana. Não há como seguir em frente sem a retomada do crescimento humano. Precisamos resgatar as virtudes, os valores humanos, se desejamos reconstruir a sociedade. O que é o bullying? Penso ser reflexo da falta de valores, da falta de tolerância, de prudência, de compaixão. É o desrespeito ao outro enquanto ser humano. Costumo dizer que virtude se aprende e na escola se ensina. A responsabilidade de reconstruir esses valores é de todos: família, escola e políticos. Enfim, é tarefa da sociedade em geral. Uma educação voltada para cidadania deve se preocupar com a dignidade da pessoa humana, com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, preocupar em construir uma sociedade livre, justa e solidária; em erradicar a pobreza e a marginalização; em reduzir as desigualdades sociais e regionais; em promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Na verdade, acabo de citar partes do 1º artigo da Constituição de 1988. Não há como falar de educação para cidadania sem ter conhecimento do documento que baliza nossas relações. A escola tem que abrir os olhos para esse fato.

ANTES DE PENSAR NUMA EDUCAÇÃO CIDADÃ, CONCORDA QUE É PRECISO INVESTIR EM PROFESSORES CIDADÃOS? COMO INCREMENTAR A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES NESTE SENTIDO?

Com certeza. A mudança deve começar por nós mesmos. O exemplo é a melhor forma de ensinar. Existem muitos professores no Brasil dispostos a mudar essa realidade, vejo isso de Norte a Sul do país. Porém, existem professores que não se comprometem com a formação humana. Para muitos, as razões de mercado falam mais alto: “eu ganho pouco, faço pouco”. Isso é muito triste. Penso que na educação não há como fazer por menos, temos que fazer o melhor. Temos problemas quanto à remuneração? Temos sim, mas, fazer disso um pretexto para não educar, ou fazer por menos, é repudiável.

QUAIS ATIVIDADES PODEM SER DESENVOLVIDAS NO COTIDIANO ESCOLAR, COMO FORMA DE INCENTIVAR UMA POSTURA CIDADÃ EM CRIANÇAS E JOVENS?

Pessoas bem intencionadas encontram saídas fantásticas. O brasileiro é um povo altamente criativo. Mas, para encontrar ideias é preciso pensar. Sentar e pensar anda meio fora de moda na sociedade. Vivemos na urgência das horas. Quando um professor se dispõe a pensar numa mudança, ele encontra o caminho. Mas vale dizer que qualquer tentativa de mudar algo passa necessariamente pelo respeito, pela dignidade. Respeitar o outro é o princípio do sucesso em qualquer empreitada. O aluno, ao se sentir respeitado, abraça a ideia, sente-se valorizado.

NO AMBIENTE DA MÍDIA, POR EXEMPLO, SOBRAM ESTÍMULOS RELATIVOS AO CONSUMO E À COMPETITIVIDADE DESLEAL, COM A DEFESA DO SUCESSO A QUALQUER PREÇO. O QUE FAZER PARA QUE ESSES VALORES NÃO PREDOMINEM NA FORMAÇÃO DE NOSSOS JOVENS?

Na minha leitura de mundo nada pode ser mais destrutivo do que o hedonismo da sociedade. A busca do prazer imediato representa hoje, a meu ver, nosso mal maior. É a morte da esperança, é o fim do projeto de vida. Os jovens são os que mais sofrem com essa busca desgovernada de prazer. Tornam-se escravos do desejo. Costumo dizer que o brasileiro aposta na morte, e vejo o espanto das pessoas diante dessa fala. Mas é fácil entendê-la. Hoje ganhamos mais de 20 anos na nossa expectativa de vida, e quando digo a alguém para fazer um projeto de 10 anos para realizar um sonho, recebo como resposta, quase sempre, “sei lá se estarei vivo daqui a dez anos”. É triste constatar essa realidade. Se o adulto de hoje se atropela quando perguntamos o que realmente faz sentido da vida, imagine a criança, o adolescente. A questão é que para mudar o mundo será preciso que cada um de nós renuncie um pouco, e isso está cada dia mais difícil. Sucesso é um conceito tão abstrato no mundo atual, que podemos começar nossa mudança questionando-o.

VALORES COMO ÉTICA, RESPEITO E AMOR ANDAM EM FALTA NAS SALAS DE AULA?

Estão em falta em qualquer segmento da sociedade. É uma bola de neve. Os pais não dão exemplo. Consequentemente, os filhos não sabem como agir. Os pais precisam entender que não nascemos com virtude alguma. Se não ensinar seu filho a ser prudente, tolerante, respeitoso, fiel, honesto, ele não vai ser. Virtude se aprende, e isso vale para os adultos. Precisamos deixar de lado a “síndrome de Gabriela”, que na música diz “eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim”, e acreditar na mudança. A sala de aula deve ser o lugar do confronto saudável. Deve representar a possibilidade para as crianças de um novo olhar, um novo jeito de ser e fazer.

A INTERNET, HOJE, É UMA ALIADA DA CIDADANIA, OU, NA MAIORIA DAS VEZES, JOGA CONTRA ELA? COMO TORNÁ-LA, EFETIVAMENTE, UMA FERRAMENTA DE CONSTRUÇÃO E PRÁTICA CIDADÃ?

Como tudo na vida, a internet tem seu lado bom e seu lado ruim. A criança bem orientada, que recebeu desde cedo os valores indispensáveis para se viver em sociedade, com sua educação monitorada, faz uso positivo dos meios de comunicação. Se ela teve essa sorte, provavelmente, usará a internet como aliada na sua vida. Saberá usá-la em favor da cidadania.

COMO EXPLICAR, POR EXEMPLO, CASOS RECENTES DE INTOLERÂNCIA RACIAL E DE ORDEM SEXUAL, QUE RESULTARAM EM AGRESSÕES A NEGROS E HOMOSSEXUAIS?

Não quero parecer repetitivo, mas, novamente o que está em questão é a formação de valores humanos. Preconceito, intolerância, agressões, são frutos de uma má formação de valores. O animal age em resposta a um estímulo, pois, se eu pisar no rabo do cachorro, ele me morde. Contudo, com o ser humano deve ser diferente, ele deve pensar antes de agir. Essa é a condição máxima para viver em sociedade: pensar antes de agir. Você pode até sentir ódio de alguém, mas ir lá e humilhar, agredir, faltar com o respeito, não. Para isso temos nossas leis, nosso pacto social, que, por sinal, anda desbotado.

A ESCOLA, AOS OLHOS DOS ALUNOS,PARECE CADA VEZ MENOS INTERESSANTE.. POR QUE ISSO TEM OCORRIDO? COMO REVERTER ESSE QUADRO?

Primeiro, a informação hoje chega de todos os cantos. Para esclarecer dúvidas, basta, quase sempre, entrar na internet para encontrar a resposta. Temos muita informação e pouco conhecimento. O aluno, muitas vezes, prefere encontrar respostas por outros meios. Em segundo, os jovens de hoje, embora não tenham muita consciência disso, nasceram numa sociedade em transformação; estamos caminhando rumo a um estado democrático. Digo ‘caminhando’ pois na prática ainda não é uma realidade. Essa transformação confere aos jovens, ainda que não saibam, outro olhar sobre as relações. Desde pequenos eles se sentem “livres” e imbuídos de  “direitos”. A escola, por sua vez, ainda não se adaptou a essa nova realidade. Também podemos considerar o imediatismo dos alunos, eles querem ter conhecimento de coisas que possam ser aplicadas amanhã, para não dizer ainda hoje.

A ESCOLA PÚBLICA, POR VEZES, ESTÁ MERGULHADA EM CARÊNCIAS E CONVIVE COM A VIOLÊNCIA DAS PERIFERIAS, MUITAS VEZES SOB O DOMÍNIO DE ESTADOS PARALELOS, MILÍCIAS E FACÇÕES CRIMINOSAS. COMO INCENTIVAR A CIDADANIA ONDE IMPERA A LEI DO SILÊNCIO E PREVALECE O PODER DO MAIS FORTE?

Há alguns dias assisti a uma reportagem de uma escola que mudou não só a sua própria realidade como também, mudou seu entorno, a comunidade a sua volta. O mais interessante é que o instrumento utilizado para conseguir tal feito foi a boa vontade, a cortesia, a gentileza. E não sou eu quem está dizendo isso, e sim a responsável pela mudança. Estamos cheios de exemplos de que é possível fazer diferente, isto é, efetivar a democracia, resgatar o cidadão. A ética é um apelo emocional.

ALGUMAS ESCOLAS PARTICULARES, CONTUDO, PECAM POR ‘BLINDAR’ A FORMAÇÃO DE SEUS ALUNOS, QUE ACABAM ISOLADOS DA REALIDADE EM QUE VIVE A MAIOR PARTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA. ISSO TAMBÉM NÃO CONSTITUI UM CRIME CONTRA A CIDADANIA?

Não vejo dessa forma. A realidade nossa está estampada nos jornais, nos noticiários, na TV. Os alunos, sejam eles de escolas particulares ou públicas, sabem muito bem o que se passa. As nossas mazelas não são segredo para ninguém nos dias atuais. Mas o crime contra a cidadania existe quando a sociedade finge que está tudo bem; quando na prática ‘o jeitinho brasileiro’ fala mais alto; quando levar vantagem em tudo passa a ser sinônimo de esperto. Aí sim, há um crime contra a cidadania.

VIOLÊNCIA DE TODAS AS ORDENS, HOMICÍDIOS, EXPLORAÇÃO DO CAPITAL, INDIVIDUALISMO, MAUS-TRATOS, FOME, ABUSOS CONTRA CRIANÇAS E MULHERES... A SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DO MUNDO PASSA, NECESSARIAMENTE, PELOS BANCOS ESCOLARES? É POSSÍVEL TER ESPERANÇA?

Claro que sim. Devemos manter acesa a chama da esperança. E hoje, mais do que nunca, a escola precisa acolher a dor do mundo. Já demos um grande passo nesse sentido. A escola do meu tempo tinha um conteúdo apenas, o conceitual. A escola de hoje tem mais dois: atitudinal e procedimental. Está lá nos parâmetros curriculares nacionais. Meu livro ‘Educação e Cidadania: a batalha de uma educação comprometida’, não deixa de ser um grito de socorro nesse sentido. No texto dos PCN’s está bem claro que as disciplinas devem funcionar como ferramentas para se atingir a cidadania, e não, ao contrário, como acontece. A escola deve ter seu foco na formação do cidadão, e todas as disciplinas não passam de meras ferramentas para alcançar esse objetivo.

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