Quando recebi o convite para escrever sobre valores e ética fiquei surpreso com o movimento de idéias a que fui sujeito. Foram tantas as questões levantadas. Estavam diante de mim cenas do dia-a-dia, repletas de valores contraditórios, fragmentos de textos lidos e relidos recentemente, alguns preocupados com os caminhos tomados pela atual sociedade individualista e principalmente hedonista (busca do prazer imediato); notícias que chocaram o país, como o lamentável fato da criança arremessada pela janela; alunos confrontados com o saber e tantas outras idéias. Eu, criteriosamente, analisava cada uma delas. Meu foco de atenção era você, leitor.
Falar de valores nos dias de hoje é algo extremamente desafiador. Falar de Ética então é ainda mais complicado. Não deveria, penso. O alicerce de nossa sociedade, aquilo que estrutura nossas relações, é a ética com seus valores e princípios. A conquista da individualidade, tão importante para o crescimento humano, veio seguida de uma renúncia aos nossos antepassados, de nossos valores mais sublimes. Perdemos, de certa, forma a nossa identidade, nosso pacto social. As relações se tornaram precárias, supérfluas.
Quando tenho oportunidade de falar para alunos em escolas, começo refletindo com eles sobre a importância de se conscientizar da condição de ser humano. O que é ser humano? Qual é nossa condição? Qual o sentido da vida? Se não sou capaz de responder a essas questões, ou de me ocupar da tentativa de responder, acabo sendo “vítima” de respostas prontas. O consumismo, por exemplo, é uma saída apontada para felicidade. Quantos jovens não fazem disso um valor, resumem sua existência na aquisição de produtos alardeados pela mídia. Permanecem nesse engodo por falta de conhecimento. Desconhecem o sentido da ideologia e de outras forças a que estamos sujeitos e acabam fazendo parte da lamentável “subjetividade industrializada” dos tempos modernos. No livro de Maria Rita Kehl, “Sobre Ética e Psicanálise”, ela nos convida a pensar nessa questão. “Quando os sentidos dados pela tradição, pelas religiões, pela transmissão familiar, deixam de fazer sentido, o que podemos colocar em seu lugar? O que conferiria sentido a nossas vidas?” . Segundo ela, nas últimas décadas, os discursos a respeito do que a vida deve ser têm se empobrecido gradativamente à medida que se apóiam cada vez menos em razões filosóficas e cada vez mais em razões de mercado.
Se ver como parte de uma sociedade implica num movimento de busca, de reflexão profunda. A cada momento somos confrontados com novas revelações acerca da precariedade de nossas verdades. Não nascemos humanos. Nós nos tornamos seres humanos, existe um caminho para se chegar aí. A consciência disso implica o sujeito num outro lugar, um lugar de responsável pela sua construção. A capacidade, ou melhor dizendo, a liberdade de escolha nos garante apropriar do mundo e transformá-lo.
Talvez seja essa percepção, poder apropriar do mundo e transformá-lo, a chave de toda credibilidade que deposito no empreendedorismo como um caminho. Somos empreendedores de nossas vidas, apropriamos do mundo e comungamos idéias e valores, e essa troca nos possibilita crescer. Impossível deixar de mencionar aqui o papel do conhecimento.
O segredo do sucesso é necessariamente o conhecimento. Para isso é preciso vontade, disciplina e método. Mas me parece que todas as “forças” da sociedade direcionam nossa atenção para outro lugar. Pensar é, para muitos, sinônimo de trabalho. As pessoas não querem se haver com isso, com esse trabalho que nos confere liberdade, preferem ficar a mercê das forças citadas acima do que pensar. A questão se complica nesse ponto. Não há outro caminho para não se tornar mais um na multidão.
Seria muito bom se pudéssemos evitar as frustrações, as angústias, os nãos que a vida nos dá. Mas isso não é a realidade. A própria morte é um não. Não podemos nos imobilizar diante desse cenário, ao contrário, as angústias devem ceder espaço a um desejo de continuar em busca da verdade encobridora do ser humano. Se hoje vivemos num mundo de muitas informações, nem por isso podemos dizer que temos muito conhecimento. O conhecimento não se confunde com a informação. O conhecimento é significativo, implica o sujeito no mundo.
Atualmente, ministro uma palestra para alunos cujo nome é “Pausa para Recomeçar”. Esse nome reflete um desejo de reconstruir a sociedade através da educação, um recomeço feito a partir do pensar. É a possibilidade de transformar o mundo e nossas relações através do pensamento, da conscientização de algo que muitas vezes nos escapa.
É preciso estar aberto ao conhecimento, se permitir, desapegar da cruel condição imposta pelas razões de mercado. Querem nos destituir da capacidade de pensar, isso é grave. É urgente o resgate de valores éticos. Precisamos refazer o pacto social. Para tanto faz-se necessário a participação de todos.
Obrigado,
Teuler Reis
Artigo publicado na revista Nossa Escola nº1 Junho/2008