Matéria publicada na revista Aprendizagem - Ano 4 nº 21/2010 - Editora Melo.
Antes de falar sobre empreendedorismo na educação, gostaria convidá-lo a pensar na educação. Como anda nossa educação? Quais as expectativas dos professores, pais, alunos sobre a educação no Brasil? Perguntas como essas nos causam sempre um incômodo. De fato, muito se tem feito pela educação, mas sabemos como esse “muito” ainda é pouco. Sou otimista quanto ao futuro, acredito estarmos próximos de uma revelação na educação, mais que uma revelação, uma clarificação.
Penso em clarificação, pois se trata de clarear as ideias. Elas já estão todas aí, são muitos os professores cheios de ideias brilhantes e de boa vontade, como também as excelentes ideias propostas nos PCN’s, nos resta trazer luz a elas. O professor consciente dessas possibilidades pode fazer muito nesse processo de mudança. No entanto, essa mudança deve acontecer primeiro dentro de cada um de nós. Precisamos sair da zona de conforto, na qual estamos mergulhados há décadas. É urgente uma mudança que traga de volta os princípios e valores desbotados na sociedade.
O empreendedorismo será, a meu ver, uma dessas ideias reveladoras. Nunca foi tão importante despertar o empreendedor que existe dentro de cada um de nós. Ser empreendedor ultrapassa em muito a ideia do senso comum sobre “ser empreendedor”. Não se restringe a abrir um negócio e ganhar dinheiro. Até porque ser empreendedor envolve um compromisso com a sociedade, envolve uma preocupação com a natureza, com o meio em que se vive. O empreendedor não é de forma alguma alguém alheio aos interesses da sociedade, alguém que vive distante dos problemas sociais, das dificuldades da comunidade a sua volta.
É preciso ter um olhar de águia quando o assunto é empreendedorismo, caso contrário, corremos o risco de enquadrar o empreendedor numa visão muito restrita e simplista de mundo. Como não dizer que nosso querido Betinho ou Wellington Nogueira, criador dos Doutores da Alegria, ou ainda, Rodrigo Baggio, que fundou o Comitê para a Democratização da Informática (CDI), não sejam pessoas altamente empreendedoras. É indiscutível o papel fundamental que elas, com tamanha visão empreendedora, podem exercer na sociedade em que estão inseridas. Daí a importância de ampliarmos nosso conceito de empreendedorismo. Outro exemplo: não é a vida o maior empreendimento a que nos lançamos? Viver não deve ser visto como um empreendimento? Não vive melhor aquele que desenvolveu e investiu nas características empreendedoras? Certamente a resposta é sim para as questões. A vida é um grande empreendimento.
A formação humana é, sem dúvida, o maior investimento que o ser humano pode fazer. E acreditem, para se formar um ser humano virtuoso, palavra que se traduz em excelência, é preciso muito investimento, muita determinação, muita força de vontade. Em outras palavras, é preciso ser um bom empreendedor para tomar as rédeas da própria vida e viver com dignidade. Nossa sociedade precisa acordar para isso, pois vivemos numa sociedade altamente individualista, hedonista e consumista. As relações humanas estão imersas numa ótica oportunista de doer a alma. Quando penso no empreendedorismo na educação, vem-me logo a ideia de empreendedorismo humano. Nossos jovens estão carentes de “humano”, de relação humana. Alguns deles nem mesmo sabem de que se trata essa relação. O filme em cartaz “Rede Social” evidenciou a forma como os jovens estão vivendo. Passar por cima do melhor amigo quando o que está em jogo é dinheiro e poder virou um fato corriqueiro na sociedade do ter.
Precisamos socorrer nossos jovens, e acredito que a educação é a nossa única saída. A escola é o lugar, por excelência, da reflexão, do pensamento. Mais importante do que despejar conteúdos nos nossos alunos é lapidar a alma, é construir relações de qualidades, é ensinar que humor se aprende, que tolerância é algo ao alcance de todos. Antes de aprender a somar na matemática aprendemos a somar ao mundo, às pessoas, assim como devemos aprender a subtrair os sentimentos negativos, os maus pensamentos. A escola é uma lição de mundo e como tal deve pensar no humano em primeiro lugar.
Muito se tem falado da contribuição do empreendedorismo na educação. Certamente, trata-se de uma relação possível e desejável. Aja visto que o papel da escola sempre foi endereçado à sociedade e, se nos dias atuais essa demanda se torna imprescindível para viver em sociedade, para resgatar os valores e virtudes, a escola não pode e não deve fechar os olhos a essa realidade.
O empreendedorismo, visto como uma atitude proativa diante do mundo, representa, de certa maneira, uma saída para diversos conflitos existentes no mundo atual. Nossas mazelas são frutos do desleixo ao educar, da falta de visão no mundo. Formar empreendedores pressupõe, antes de tudo, abrir os olhos das crianças e dos adultos para realidade em que vivemos; é prepará-los para assumirem suas vidas cientes do outro, com tolerância e determinação.
Uma outra ideia que precisa ser “iluminada” é a formação da cidadania com seus valores e virtudes. Os Parâmetros Curriculares Nacionais deixam bem claro, nos textos introdutórios, sua preocupação com a formação da cidadania. Segundo ele, as disciplinas devem funcionar como ferramentas para se atingir a cidadania. Os conteúdos devem ter como foco principal a formação moral e ética. Nada mais inteligente do que fazer o casamento entre a formação humana e a formação do empreendedor. São muitas as características afins entre o verdadeiro cidadão e o empreendedor. Um casamento perfeito.
É fato o descaso de algumas instituições de ensino com a formação da cidadania. Muitas vezes, aquilo que deveria ser a espinha dorsal de uma educação, a cidadania, fica relegada a segundo plano. Perdemos a chance de construir um mundo melhor quando nos fechamos para novas ideias, quando deixamos a arrogância e o pessimismo falar mais alto em nós. Como educadores temos o dever de nos comprometermos com a mudança. E, mais uma vez, lembro a todos: essa mudança começa de dentro para fora.
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