POR PARTE DE PAI - BARTOLOMEU CAMPOS QUEIRÓS.


“ Nunca recebi dez com louvor, sempre sete com distinção”, assim meu saudoso amigo Bartolomeu Campos Queirós inaugura uma de suas grandes obras: Por Parte de Pai. Distinção sempre o acompanhou, no zelo com que escolhia cada palavra para compor um texto - recordo sua preocupação em “lapidar o texto” era como se referia ao cuidado com a escrita antes de nos revelar seu mundo mágico - ou na maneira discreta de conquistar a todos com sua fala mansa e com seu encantador afeto. Essa foi para mim sua grande marca: revelar o mundo com afeto. Por toda sua obra o sentimento de afeição nos embala numa emoção atenuante. Se viver para Antônio, personagem de Por Parte de Pai, é encolher, diminuir, subtrair, Bartolomeu nos prolongava numa vasta imaginação, acerca da infância e de nós mesmos, aproximando-nos do mundo através do afeto, presente na sonoridade das palavras, no ritmo do texto ou na maneira clara de contar sua história. O afeto se faz presente até mesmo quando nos segreda a dor da existência. No mundo da imaginação, assim como na realidade, era possível enganar a tristeza com suspiros e gemadas, ler a tristeza na testa do avô e amenizá-la, catando fios brancos de cabelo.
Creio ser o afeto a maciez do mundo, acolhendo-nos bem cedo e nos protegendo das dores do mundo, das intempéries na vida, da angústia causada pelo abandono do útero materno. Somente um afeto seria capaz de nos convidar a tecer a vida distante da quietude, da satisfação, longe do pleno gozo do útero. O afeto é capaz de silenciar o choro, de remediar a dor, fazer-se bálsamo ao nos acolher no mundo. A criança que nos conta em Bartolomeu sabia ser ela convidada a desvendar o mundo, em avançar nas descobertas, mas também sabia que a mão que lhe estendia o convite era o afeto disfarçado. O mundo fica mais humano, quando nossas relações se pautam no afeto. Infelizmente, nos dias atuais, o afeto tem-se tornado moeda de troca, e, nessa matemática perversa, perdem todos: a criança, os pais, professores, a sociedade como um todo.
Senti muita alegria e profunda emoção, ao assistir a pré estréia do grupo de teatro Atrás do Pano, apresentando seu novo espetáculo “Por Parte de Pai”; souberam com esmero transmitir o afeto polido em toda essa grande obra que se destaca também por nos aclarar a possibilidade de mudar e compreender o mundo pela leitura. Bartolomeu,de maneira afetuosa e despercebida, lembra-nos ser possível “distrair meu pavor decifrando os escritos na parede...” ou “ cada sílaba um carinho, um capricho penetrando pelos olhos até o passado.” Nos últimos tempos Bartolomeu nos advertia da necessidade de trazer a criança para o mundo literário. Dizia da importância de aproximar as histórias das palavras escritas. Saber ler era para ele ganhar outras portas, encontrar novos alicerces, desequilibrar o sabido, desconfiar da permanência. E como anda carente de alicerce nosso mundo! Vivemos uma gradual perda da condição amorosa e afetuosa e uma constante degradação do humano. Nunca foi tão importante resgatar o afeto como agora!!!

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